16/10/2009

Indignação

Costumo dar uma olhadela pelo site do Sapo todos os dias para saber o que se vai passando por aí. De vez em quando aparece alguma notícia cujo título me interessa, porque é novidade ou porque relata algo relacionado com a minha situação actual ou recente. De vez em quando leio o artigo e quase sempre me espanto com os comentários que as pessoas escrevem à notícia. Ora porque são completamente fora de contexto (algumas pessoas simplesmente não conseguem evitar relacionar tudo com o futebol, a homossexualidade ou a profissão da mãe deste e de outro) ora porque os comentadores simplesmente adoptam uma atitude de que todos são um bando de queixinhas e que por isso é que o país não avança ou a atitude oposta. Sinceramente, desagrada-me e muito.
Primeiro que tudo, se a notícia fala de estudantes universitários o que raio tem esse tema a ver com futebol ou homofobia ou a profissão da mãezinha??? Por que carga de água se descamba para uma lista de agressivos incentivos ao trabalho dando a entender, curiosamente, que o/a autor(a) é na realidade ele/a mesmo/a um(a) queixinhas que é o/a único/a que trabalha e contribui activamente para a sociedade?
Não percebo! Simplesmente não entendo! E na maioria das vezes dou só uma vista de olhos pela notícia e evito ler os comentários dos cidadãos porque sempre que o faço fico com má disposição cerebral.
O artigo de hoje foi este, que fala sobre a situação desesperada de alguns estudantes universitários. Nada de errado com o artigo: curto, conciso e directo ao ponto. Agora os comentários...
Dizer que se não se tem dinheiro não se devia estudar, mas sim ir trabalhar para pagar os estudos soa muito como um comentário de alguém cujos pais pagaram tudo ou então não sabe bem como funcionam as coisas quando se é trabalhador estudante. Para além disso, até existe uma coisita pequenina não muito importante chamada Declaração Universal dos Direitos do Homem cujo Artigo 26º, ponto 1 diz e cito: Toda a pessoa tem direito à educação. E mais à frente no mesmo artigo e no mesmo ponto diz e, mais uma vez, cito: (...) o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
Há alguém que, ainda assim, se atreva a dizer "se não tens dinheiro não devias ir estudar"? A questão é que todos temos o direito a estudar seja porque queremos ter uma profissão, porque não conseguimos fazer mais nada da vida nesse momento ou porque simplesmente desde dos cinco anos de idade queríamos ser médicos, bailarinos, padeiros ou economistas. Não interessa qual a razão! Todos temos esse direito!
Falando daquilo que conheço, sei que há muitos estudantes universitários cujos pais não têm possibilidades económicas de os ajudar e que portanto passam por muitas dificuldades para pagar a renda, as propinas e a comida ou então trabalham várias horas por dia acabando por não ter possibilidade de ir às aulas nem ter tempo nem energia para estudar depois de um dia de trabalho.
No lado oposto estão os que os pais lhes pagam tudo e não fazem nenhum, passando os dias em casa e os serões nas bebedeiras, acumulando matrículas e estatuto na praxe. Conheço pessoas em ambos os casos se bem que devo dizer que o último caso é mais comum ou pelo menos mais visível já que os que têm mais dificuldades geralmente não desperdiçam muito tempo com eventos sociais, não se mostrando tanto. Mas nem tudo é ou branco ou preto; também há muitos casos cinzentos!
Depois temos aqueles que usufruem do que não lhes é destinado através do recebimento de bolsas e outras ajudas das quais não necessitam (como épocas especiais de exames, estatuto de trabalhador-estudante tendo um trabalho fictício arranjado pelo paizinho e que quase custou o emprego de outra pessoa ou até mesmo recebendo bolsa de estudos máxima porque os pais só declararam metade do ordenado).
Tudo isto a adicionar ao facto de que o governo desperdiça o dinheiro de todos os contribuintes em computadores para caxopos em vez de simplesmente equipar melhor as escolas ou de introduzir um sistema de requisição de manuais escolares comprados pelas escolas em vez de os pais terem de comprar quinze livros novos todos os anos em Setembro.
Falando do que conheço. Aqui na Suécia (e não estou a dizer que é o maior país do mundo) todas crianças até aos dezasseis anos recebem todos os meses uma espécie de abono chamado barnbidrag. Actualmente o montante é de 1050 coroas (aproximadamente €101) e para além disso os pais recebem ainda uma ajuda extra se tiverem mais de um filho. Se o jovem continuar a estudar no secundário após ter completado dezasseis anos de idade pode continuar a receber este abono no máximo até ao ano em que completa vinte anos.
Depois disso, todos podem ir para a universidade. Existe um sistema de bolsa-empréstimo (studiemedel) coordenado por uma instituição estatal (CSN): todos os que estudem na universidade recebem cerca de 7800 coroas (+- €752) por mês em que cerca de 2800 coroas (+- €270) são bolsa (studiebidrag) e o restante é um empréstimo (studielån) que se paga através de descontos mensais de uma certa percentagem quando a pessoa começa a trabalhar. O estudante pode trabalhar enquanto estuda e continuar a receber studiemedel desde que não receba mais do que um certo limite e pode a qualquer momento decidir que só quer receber a bolsa e não o empréstimo. No entanto, um estudante não pode receber studiemedel durante mais de seis anos independentemente de só ter recebido bolsa ou bolsa e empréstimo.
Os apartamentos para estudantes ficam geralmente por volta das 3000 coroas (+- €290) por mês e têm condições de privacidade e aquecimento (não como quando eu morava no Porto em que fazia tanto frio dentro de casa que um colega costumava pôr o secador de cabelo ligado a apontar para os pés para os aquecer enquanto estudava).
Concluindo, todos podem ir estudar para a universidade e ser independentes e não é preciso os pais serem ricos.
Gostava que um dia chegássemos a esse nível no nosso país, em que todos têm efectivamente direito àquilo a que deviam ter direito e em que as coisas funcionam de maneira mais justa para que tudo sejam um bocadinho melhor para todos.
Boa sorte por aí! Eu acho que já abandonei o barco.

3 comentários:

  1. Nem mais ! 1000% de acordo, com a excepção do barco. Sabes que Portugal foi sempre melhor quando foi influenciado, melhorado pelos Portugueses ou estrangeiros que voltaram ...

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  3. Quem sabe?... A verdade é que me custa um bocado ver que o nosso país se enterra cada vez mais com a desculpa de que temos de chegar ao mesmo nível do resto da Europa. Somos um bocadito mais lentos que os outros países porque tivémos uns problemazitos pelo caminho (uma ditadura, o analfabetismo, má governação, etc) mas não é necessário pôr a carroça à frente dos bois e atirar computadores pela janela fora como se fossem panfletos só para que as estatísticas fiquem mais bonitas quando se comparam as coisas em Estrasburgo...
    Às vezes tenho a impressão que quem governa o país não vive neste mundo, no mundo das pessoas comuns e que por isso acha que o que nós precisamos é de computadores para "procrastinate" (fazer uma actividade em vez daquela que se devia estar a fazer) quando nós o que precisamos é de emprego para podermos comer.
    Fico desiludida.

    ResponderEliminar